Empresas e centrais sindicais pressionam pela publicação do texto; caso Lula não se manifeste, matéria é sancionada automaticamente

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem até esta quinta-feira (23) para decidir sobre o projeto de lei que prorroga até o fim de 2027 a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia brasileira. Caso não seja estendida, a medida termina em dezembro deste ano.  Empresas, centrais sindicais e trabalhadores pressionam pela sanção do texto, sob risco de perda de cerca de 1 milhão de empregos.

Lula tem até o dia 23 para sancionar a medida
ADRIANO MACHADO/REUTERS

A matéria foi protocolada em 1º de novembro no Palácio do Planalto, e o prazo para análise é de 15 dias úteis. Caso Lula não publique o projeto até esta quinta (23), o texto é sancionado automaticamente e é promulgado pelo petista ou pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

 


Pelo projeto, em vez de o empresário pagar 20% sobre a folha do funcionário, o tributo pode ser calculado com a aplicação de um percentual sobre a receita bruta da empresa, que varia de 1% a 4,5%, conforme o setor.

A contribuição não deixa de ser feita, apenas passa a se adequar ao nível real da atividade produtiva do empreendimento. Em outras palavras, as empresas que faturam mais contribuem mais. Com isso, é possível contratar mais empregados sem gerar aumento de impostos. Cálculos demonstram que a perda de arrecadação para a Previdência Social sem a desoneração seria de R$ 45,7 bilhões entre 2018 e 2022 (veja mais abaixo).

Legislativo cobra prorrogação

Além da pressão dos trabalhadores, a matéria tem sido defendida por parlamentares. Eventual veto de Lula ao projeto seria contrário ao posicionamento de 84% dos deputados federais. Dos 513 parlamentares, 430 votaram a favor da proposta. Impedir a extensão da desoneração também significaria ir na contramão da manifestação dos senadores, que aprovaram a matéria por votação simbólica, ou seja, quando não há contagem de votos. Por isso, nesse cenário negativo, a expectativa é que haja forte reação do Congresso caso o presidente vete a prorrogação.

Autor do projeto de lei que pede a continuidade da desoneração, o senador Efraim Filho (União Brasil-PB) afirmou nesta terça (21) que o desafio do Brasil não é arrecadar mais dinheiro, mas sim “gerar emprego”. O parlamentar defende a importância do projeto, que “dialoga com a vida real” dos brasileiros, e afirma que sem a desoneração são esperadas 600 mil demissões.

Para o deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO), um dos articuladores da proposta na Câmara, um veto causaria um desgaste desnecessário para o governo com diversos setores econômicos, potencialmente afetando mais de 9 milhões de empregos. “Além disso, pode gerar um atrito com a dinâmica do Congresso Nacional, que aprovou a proposta quase que por unanimidade. Esse cenário prejudicará a relação com o Legislativo e, certamente, dificultará futuras colaborações”, avalia.

A relatora da desoneração na Câmara, deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), cobra um posicionamento claro do governo. “Se o presidente Lula não sancionar a lei aprovada pelo Congresso Nacional, ele será o único responsável pela demissão de milhares de trabalhadores brasileiros”, afirma.

Entidades representativas também têm pressionado Lula para decidir favoravelmente pela iniciativa. Em entrevista ao R7, o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, declarou que “tem certeza” de que o petista vai sancionar a medida.

“O presidente Lula, pela sua história, características, valores fundados no trabalho e origem, tenho certeza que, independentemente da posição de alguns ministros, vai sancionar”, afirmou. O Ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad, enviou uma nota técnica ao Palácio do Planalto em que recomenda o veto.

Veto pode gerar indisposição, veem especialistas

O especialista em relações governamentais e cientista político Leonardo Barreto avalia que Lula não deve vetar a proposta pela forte oposição política, ao entender que vai perder o embate. “O ministro Fernando Haddad foi contra, mas não conseguiu ter forças para barrar a proposta nem por um segundo.” Para ele, o cenário provável é que Lula a vete parcialmente, deixando de fora a desoneração dos municípios, mas que “procure atender os prefeitos com outras medidas, como um Refis para dívidas previdenciárias das cidades”.

Na avaliação do cientista político André Pereira César, especialista em procedimentos legislativos e funcionamento do Executivo federal, a demora do governo em dar um posicionamento claro quanto ao projeto da desoneração é sinal de que se buscou um meio-termo. No entanto, para ele, o governo se arrisca nesse processo.

“É preciso pesar bem a balança, sob risco de se indispor com os setores, municípios e com o próprio Congresso.” O especialista acredita que para cada trecho vetado deverá haver uma contrapartida para estancar os danos políticos, mas que “eventuais compensações jamais terão o mesmo peso de uma sanção integral”. “É uma matéria sensível, e qualquer movimento errado que Lula faça resultará em uma resposta rápida e poderosa.”

Preços podem aumentar

O país pode ver a inflação oscilar caso a desoneração da folha de pagamento não seja prorrogada. A análise de especialistas consultados pela reportagem leva em conta o cálculo de empresas e centrais sindicais que afirmam que, sem a continuidade da medida, há previsão de fechamento de 1 milhão de postos de trabalho e aumento no preço final dos serviços e produtos.

“De fato, tanto os empregos estarão ameaçados quanto os custos das empresas vão se elevar. De uma forma ou de outra, toda a economia nacional sofrerá o impacto dessa mudança: as empresas terão que cortar custos para equilibrar as contas, podendo haver redução no número de empregados e aumento no valor dos produtos, que pressionará a inflação”, avalia o economista Werton Oliveira.

A elevação dos preços ao consumidor final, segundo Oliveira, traria como efeito a curto prazo um aumento da inflação. Por outro lado, com as demissões gradativas, haveria uma diminuição do poder de compra dos brasileiros em um segundo momento, diminuindo preços mas trazendo prejuízo ao crescimento econômico.

Previdência Social

A perda de arrecadação para a Previdência Social caso não houvesse a desoneração da folha de pagamento seria de R$ 45,7 bilhões entre 2018 e 2022, revela um estudo feito neste ano pela Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom). O presidente Lula tem sido pressionado pelos 17 setores da economia e por entidades de trabalhadores a sancionar o projeto que prorroga a medida fiscal até 2027.

A publicação mostra que, caso o mecanismo não existisse, a perda de arrecadação da Previdência Social teria sido de R$ 1,4 bilhão em 2018, R$ 5,7 bilhões em 2019, R$ 9,5 bilhões em 2020, R$ 13 bilhões em 2021 e R$ 16 bilhões em 2022. O contexto atual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é de saldo negativo.

Com base em dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), os representantes observam que, em termos de evolução da empregabilidade, os setores desonerados contrataram mais de 1,2 milhão de trabalhadores entre 2018 e 2022, o que corresponde a cerca de 15,5% de crescimento. Sem a geração desses empregos, haveria queda na arrecadação previdenciária.

Entenda

O objetivo da desoneração é aliviar parcialmente a carga tributária. A medida está em vigor desde 2011, e o projeto de lei prevê a manutenção do regime fiscal até 2027. A matéria foi aprovada pelo Congresso e aguarda sanção do presidente Lula.

São incluídos os seguintes setores: calçados, call center, comunicação, confecção, construção civil, construção de obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia de comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.

Desoneração permanente

Há setores que defendem a desoneração da folha de pagamentos de forma permanente, já que a medida é tida como imprescindível para a geração de empregos. É o caso do segmento de serviços terceirizáveis de asseio e conservação, representado pela Federação Nacional das Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza e Conservação (Febrac).

“A desoneração é muito importante para todos os setores da economia. Por isso, a Febrac defende essa pauta reiteradamente. Atualmente, temos elevadas contribuições incidentes sobre a folha de salários e isso cria um forte desestímulo à formalização dos trabalhadores. Atualmente, somente o setor de serviços é responsável por cerca de 70% dos postos de trabalho no Brasil. Ou seja, sem a desoneração da folha de pagamento, a empregabilidade do país será comprometida”, defende o presidente da Febrac, Edmilson Pereira.

R7